sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Um adeus


Hoje não publico uma receita, deixo antes uma honesta homenagem a uma pessoa que me ajudou a ultrapassar um momento complicado da minha vida e que, infelizmente, partiu ontem à noite.

Em 2008, como muitos outros universitários, decidi fazer Erasmus, passando um semestre numa universidade estrangeira. Coloquei como minha primeira opção a Université Sorbonne 1, em Paris, e foi para lá que acabei por ir. O meu francês era (e é) péssimo, muito básico, e essa foi uma das razões para escolher França como meu destino, pois queria muito desenvolver as minhas capacidades linguísticas. Ao contrário do que seria de esperar, a experiência não foi tão boa quanto estava à espera e acabei por voltar para Portugal mais cedo do que era suposto, em parte por culpa minha, em parte por razões administrativas da minha própria faculdade e da universidade francesa.

Foi um tempo difícil. Na universidade não havia qualquer abertura para auxiliar alunos externos, em termos de alojamento por exemplo, ou apoios de qualquer ordem. Pelo que fiquei sem lugar onde ficar numa cidade desconhecida e num país estrangeiro, sem qualquer assistência. Foi o Manel, primo da minha mãe, que vivia em Paris há muitos anos, que acabou por me dar a mão. Vendo que ninguém alugava quartos ou casas a cidadãos estrangeiros, ou que os locais disponíveis não tinham condições mínimas, o Manel saiu do seu estúdio na zona de Drancy e deixou-o para mim, indo viver temporariamente num anexo que existia em casa do seu chefe. Salvou-me! Não se importou em ir morar bem mais longe de Paris, onde trabalhava, numa casa que não era a sua, num local desconhecido.

Durante os escassos meses que estive em Paris foi um verdadeiro paizinho. Ligava várias vezes durante a semana e se houvesse algum problema, aparecia com o sorriso na cara. Via-se que ficava verdadeiramente preocupado e gostava genuinamente de ajudar. Nunca cobrou um tostão por ter ficado na sua casa. Nunca pediu nada em troca. Só deu.

Foi um momento complicado, que se tornava diferente quando o Manel aparecia todos os domingos para almoçar. Era o seu único dia de folga e não havia um domingo em que não viesse fazer uma visita. O ritual era quase sempre o mesmo: uma ida ao fantástico marché (como ele próprio dizia) de Drancy, pela manhã. Era um mercado enorme com todo o tipo de frutos, legumes, carnes, peixes, mariscos, como nunca tinha visto! O Manel tinha um prazer especial em ir ao mercado comigo e dizer: «Nunca provaste isto? Vamos levar para o almoço!». Fosse o que fosse, custasse o que custasse. Ele agarrava e trazia. Com ele provei bife de cavalo, ostras com limão, camarões de várias espécies, peito de pato...iguarias que nunca experimentaria caso ele não tivesse puxado por mim. Depois vinham os petiscos portugueses que comprava numa banca de imigrantes: azeitonas, broa de milho, pão, tremoços. Íamos à loja de vinhos, a caminho de casa, e trazíamos um vinho tinto que ele próprio escolhia. Chegávamos a casa cheios de sacos e estava na hora de cozinhar naquele fogão minúsculo de apenas dois bicos eléctricos.

Chegámos a ir a um restaurante árabe comer um fantástico couscous acompanhado com uma espetadas de borrego e legumes assados, que era de comer e chorar por mais, regado por um fantástico vinho tinto argelino. Nunca comi nada igual! Ria-me sempre que ele contava a história de quando foi a um restaurante fino e lhe serviram um bife mínimo no centro do prato com duas ou três batatas, ao que ele perguntou ao empregado «Acha que isto é comida para um homem que trabalha?», e lhe trouxeram «comida a sério!».

A seguir ao almoço era hora de ir passear. Tinha uma carrinha enorme branca que conduzia com grande desenvoltura pelas ruas de Paris. Ainda hoje cito as suas duas mais famosas frases no que se refere à condução: «Eu estaciono de ouvido. Quando bater sei que está bom!» e «Eu cá sou como os pombos. Não preciso de GPS!». Ao domingo estava tudo fechado em Paris. Só havia o Leroy Merlin. Bora! Vamos ver material de construção e ferramentas. Não tinha mal! Com ele tudo era divertido. Na verdade, era uma das pessoas mais extrovertidas e alegres que alguma vez conheci. Era sempre a alma da festa e ninguém conseguia resistir ao seu humor, às vezes ligeiramente brejeiro. Isso é que lhe dava graça!

 Nunca tinha pensado muito nisto, mas o Manel marcou uma parte importante das minhas experiências e os meus conhecimentos culinários. Nunca mais voltei a provar nenhum dos pratos que me apresentou, desde que voltei de Paris. E, se não fosse ele, nunca os teria experimentado. Se nunca te disse Manel, obrigada também por isto! Onde quer que estejas quero que saibas que estou muito agradecida por tudo o que fizeste por mim e que serás sempre lembrado como parte boa de Paris.

Até sempre!

1 comentário:

  1. A vida prega-nos muitas partidas. Esta foi feia! Aprendi, ou relembrei que não devemos deixar passar as oportunidades de dizer o que nos vai na alma, de dizer que amamos alguém, de agradecer...
    O Manel já cá não está, já não lhe podemos ver o sorriso, sentir a sua alegria. Devíamos, mea culpa!, ter agradecido mais tudo o que nos deu...
    Fica a saudade e uma raiva muito muito grande!

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